sexta-feira, 7 de março de 2014

Resenha: 1Q84


Obra escolhida para o Desafio Literário de Fevereiro    
Autor: Haruki Murakami
Editora: Alfaguara
Ano: 2013
páginas: 472




Em entrevista concedida ao Jornal The Guardian, em 2009, Haruki Murakami afirmou que tinha apenas duas coisas em mente quando começou a escrever 1Q84: a primeira, que o livro contaria a história de um homem e uma mulher buscando um ao outro. A segunda, que ele faria desta simples história a mais longa e complexa possível. Posso dizer que ele foi bastante fiel às suas premissas.
A narrativa de 1Q84 orbita em torno de dois personagens principais: Tengo, um professor de matemática de um curso pré-vestibular e aspirante a escritor e Aomame, instrutora física dotada de exímia habilidade em matar sem deixar vestígios.
A nota romântica entre os dois personagens é pueril, mas acaba convencendo ao final das mais de 1200 páginas da trilogia. A simplicidade da imagem de Tengo e Aomame de mãos dadas na escola é a coluna vertebral que sustenta todo o cerne romântico da obra.
A história se situa no ano de 1984 e nos é introduzida pela cena de Aomame presa dentro de um táxi ao som da Sinfonietta, de Leoš Janáček. Em vista do congestionamento que paralisara a via expressa de Tóquio pela qual trafegavam e do receio de se atrasar para o compromisso que havia agendado, Aomame decide descer do carro e seguir pela escada de emergência do viaduto até a estação de trem mais próxima. Antes de desembarcar, no entanto, é estranhamente alertada pelo motorista do táxi de que “as coisas não são o que aparentam ser” e de que “a realidade é sempre única”. Alertas prudentes, pois bastou Aomame descer as escadas do viaduto em direção à estação de trem para adentrar no mundo de 1Q84 (um – quê – oitenta e quatro).
De outro lado, é nos apresentada a história de Tengo Kawana, que é “cooptado” por seu amigo e produtor literário Komatsu para reescrever, na condição de ghost writer, o manuscrito de “A Crisálida de Ar“ submetido a um concurso literário por Fukaeri, uma garota de 17 anos. Para Komatsu seria a oportunidade perfeita de, ao mesmo tempo, movimentar o estagnado mercado literário japonês da década de 80 e de exercitar a escrita de Tengo.  
Aos poucos os personagens passam a notar algumas alterações que sugerem que a Tóquio de 1984 em que viviam não é mais a mesma. Aomame, a despeito de ser adepta à leitura diária de jornais, sente como se tivesse perdido as grandes notícias dos últimos dois anos. Tengo percebe que aquilo que ele acredita ser a realidade está cada vez mais parecida com a fantasia estruturada pelo livro de Fukaeri. E talvez o sinal mais contundente de que há algo acontecendo, seja a existência de duas luas no céu: uma comum, amarelada, e a outra menor e esverdeada. Fatos que passam a por em dúvida até mesmo a sanidade dos personagens.As histórias de Tengo e Aomame surgem como assíntotas que parecem que nunca vão se tocar, mas a maestria com que Murakami conduz a história logo faz com que as duas histórias se entrelacem e passem a fazer sentido juntas.
Murakami parte do prosaico, e erige um mundo paralelo, cópia do mundo original, dominado por uma sociedade secreta religiosa, habitado por seres pequeninos de poderes sobrenaturais e onde pairam duas luas no céu. Talvez seja essa capacidade de transformar o comum em extraordinário e fantástico aliado à acessibilidade de suas obras que tornem o escritor japonês popular entre os leitores jovens.
Li as mais variadas críticas sobre “1Q84” e talvez a mais recorrente e cruel seja a de que Murakami criou um mundo de possibilidades e acabou encerrando a história pela via mais trivial, sem responder às dúvidas que ele criou no leitor. Discordo. Se nem a realidade faz sentido total para nós, porque uma obra de fantasia deveria ser “redonda” e auto explicável?

Obs¹.: Aparentemente o “Q” de “1Q84” seja referência à pronúncia do número nove em japonês:  kyū (kyuu)
Obs².: Apesar do título, o mundo fantasioso de Murakami não traz a distopia de George Orwell como centro de gravidade.
Obs³.: Murakami tem sido o Leonardo Di Caprio da literatura.  Ano passado ele bateu na trave do Nobel de Literatura. Agora é esperar e ver se neste ano Murakami é agraciado com o Nobel e Di Caprio leva o Oscar pra casa. Afinal, já está mais do que na hora!

Um comentário:

Unknown disse...

Gostei de sua resenha, muito bem escrita e intrigante. Acabou me deixando muito interessada para ler este livro.