sábado, 21 de dezembro de 2013

Resenha - Cuco, de Julia Crouch



resenha escrita por Tathy Zimmermann



Rose é uma feliz dona de casa, ex-professora de matemática, que dedica a vida ao lar e à sua família: o artista plástico Garreth, a pequena Anna e a recém-nascida Flossie. A família mora em um chalé, na área rural da Inglaterra, que foi restaurado pelas mãos dos próprios proprietários, Rose e Garreth, com ajuda de Andy, irmão de Garreth.
O casamento não é perfeito e ambos já passaram por momentos difíceis: no início da vida juntos, quando Garreth lutava para ser reconhecido por sua arte, Rose segurava as contas da casa dando aulas e, quando Anna nasceu, ambos passaram por problemas financeiros sérios, morando em um quartinho em um bairro perigoso.
A situação financeira do casal melhora após a morte dos pais de Rose, que lhe deixam uma herança que proporciona a compra do chalé. Eles reformam a casa, se mudam e o trabalho de Garreth começa a alcançar um bom preço no mercado. Finalmente a vida está melhorando, pensa Rose, finalmente pode aproveitar uma noite ao lado do marido, tomando um bom vinho em sua cozinha dos sonhos...
Mas essa tranquilidade está prestes a acabar! Nessa mesma noite, Rose recebe um telefonema de Polly, sua amiga de infância, com a terrível notícia de que seu marido, o artista plástico e melhor amigo de Garreth, Christos, morreu em um terrível acidente de carro. Polly não aguenta mais ficar perto da família de Christos, na Grécia. Ela e os meninos, Nico e Yannis, estão tristes, desamparados e desesperados. Mesmo sabendo que Garreth não gosta de Polly, Rose insiste em que ela e os meninos seriam bem-vindos a passar uns dias com sua família, até tudo se ajeitar.
Polly faz as malas e logo já está se instalando na edícula do chalé de Rose e Garreth. Desde o início, Rose percebe que sua melhor amiga é uma mãe relapsa ou que está triste demais com a perda do marido para se preocupar com os próprios filhos. Rose toma para si a responsabilidade dos meninos: levá-los para a escola, cuidar de suas roupas, já que os meninos não tinham vestimentas adequadas para o clima inglês, e alimentá-los. Rose, aliás, se torna uma grande mãe de todos, cuidando do bem-estar dessa grande comunidade que se mantém em um clima tenso. Por um lado, a agressividade dos meninos fere a sensibilidade de Anna, por outro, Garreth passa horas no estúdio para evitar se encontrar com Polly, que por sua vez perambula pela casa em camisolas transparentes, dorme o dia todo, fuma e bebe todas as noites.
Polly é uma ex-cantora famosa e ex-drogada, que largou a fama, o glamour, as drogas, as bebedeiras e o sucesso ao conhecer Christos e mudar-se com ele para a Grécia. Garreth a detesta, por tudo o que ela representa e, principalmente, por ter afastado seu melhor amigo dele. Rose tem verdadeiro fascínio por Polly, mas também há um pequeno desconforto, pois Rose se apaixonou por Christos e quando ele conheceu Polly, ambos ficaram juntos. Além disso, há segredos compartilhados desde criança, coisas que Garreth nem pode desconfiar, e as atitudes de Polly deixam claro que Rose está em suas mãos. Rose começa a se perguntar o quanto pode confiar em sua amiga e o quanto a conhece de fato. E começa a sentir que cometeu um grande erro e fica dividida entre ajudar a amiga ou mandá-la embora de sua casa. Porém, enquanto Rose perde o controle de sua família e de sua casa, seu mundo começa a ser destruído e fica cada vez mais difícil de se livrar de Polly.

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A história é narrada em terceira pessoa, mas poderia ser escrito em primeira pessoa já que aborda apenas o ponto de vista de Rose, deixando um grande vazio sobre o que ocorre com os demais personagens. A autora poderia ter deixado que o leitor entendesse o que estava acontecendo dentro de cada personagem, poderia nos mostrar o lado de Polly, quão profundo era seu sentimento pela perda do marido, qual o motivo de simplesmente largar os filhos sem nenhum cuidado ou preocupação.
Apenas no final do livro Polly dá a entender que sabia do romance entre Rose e Christos, mas quais as suas motivações, o que a levou a destruir deliberadamente a vida da sua melhor amiga?
E quanto a Garreth? Um artista plástico que não fala sobre seu trabalho, que se fecha dias e dias no estúdio e mal comenta com a esposa no que está trabalhando. Demonstra verdadeiro repúdio contra Polly e essa atitude muda repentinamente, sem dar ao leitor uma brecha para saber como. Os personagens são densos e bem construídos, mas poderiam ter sido mais bem trabalhados ao longo da narrativa.
O ritmo da narrativa é bastante interessante no início, quando ocorre muita ação, mas com o passar das páginas, o ritmo desacelera e chega a ficar monótono. A personagem principal toma decisões questionáveis o livro todo, ela é fraca, indecisa, manipulável e acomodada e deixou que as coisas acontecessem com ela e com sua família sem tomar uma atitude, mesmo com os amigos alertando para o perigo que ela estava correndo. Mesmo quando sua filha recém-nascida corre risco de morte, ela prefere acreditar em Polly e, quase literalmente, joga seu marido para cima da amiga.
O final do livro é decepcionante, quando a trama volta a ficar eletrizante, a autora joga um balde de água fria sobre o leitor e encerra com um simples “dois anos depois”, sem explicar como e o que aconteceu nesse meio tempo, fornecendo o final previsível, que sugere que a personagem principal realmente é uma mulher que não sabe proteger sua família e as coisas que lhe são caras na vida. Como se ela estivesse no mundo para ser o capacho de Polly. É um livro que vale a pena ler pela profundidade e densidade de seus personagens e como um bom exemplo de como estragar uma boa trama e bons personagens com uma narrativa que não os deixa aparecer.
 
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A autora, Julia Crouch, cresceu em Cambridge e estudou arte dramática na Universidade de Bristol. Trabalhou como dramaturga e diretora de teatro, formando-se também em designer gráfico, fazendo seu mestrado na área de ilustração sequencial. Cuco foi seu primeiro romance e a trama bem elaborada tinha tudo para ser perfeita, entretanto, a autora não soube explorar a profundidade de seus personagens. 

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